Gilson Paulo em casa, no Rio: mala pronta para voltar à África (Foto: Marcelo Baltar / Globoesporte.com)- Muitos me disseram que eu era o homem mais importante do país. Eu brincava: “E o presidente? Tá maluco?" - lembrou Gilson em entrevista ao GLOBOESPORTE.COM, em sua residência no Rio de Janeiro, ao comentar a festa da torcida em Guiné pela campanha na CAN.
Até o dia 31 de dezembro de 2011, quando embarcou para a África, o maior feito do carioca de 52 anos era uma rápida passagem de quatro meses como jogador do Vasco, em 1986. Uma lesão no joelho e a concorrência de nomes como Roberto Dinamite, Cláudio Adão e o então jovem Romário atrapalharam os planos de Gilson Paulo de convencer o técnico Antônio Lopes de que ele poderia ficar. Sendo assim, deixou o Vasco sem ao menos entrar em campo.
Rodou clubes pequenos do Rio, como São Cristóvão, Bangu e Campo Grande, até virar treinador. Da Segunda Divisão carioca, ganhou uma chance na base do Vasco após a chegada de Dinamite à presidência em 2008. A mudança repentina na vida de Gilson Paulo veio na última semana de dezembro passado. Um telefonema da Federação de Futebol da Guiné Equatorial o convidava para assumir o cargo de treinador da seleção anfitriã da CAN (ao lado do Gabão) a menos de três semanas do início da competição. A primeira opção para o cargo era o brasileiro Antônio Dumas, que não aceitou e indicou o amigo. A proposta, aceita de imediato, atrapalhou os planos da família, que já preparava uma festa de réveillon.
- Avisei à minha esposa que não teria mais festa. Embarcamos (ele e o preparador físico Sérgio Américo) no dia 31 de dezembro e passamos a virada de ano dentro do avião.
Gilson ao lado de Dinamite em gravação de Luciano Huck no Vasco antes de ir para Guiné (Foto: Divulgação)- O povo da Guiné é extremamente apaixonado pro futebol, mas o objetivo era perder de pouco. Chegar às quartas de final da era um feito inimaginável.
A surpreendente campanha rendeu a Gilson Paulo uma extensão de contrato antes mesmo do término da Copa Africana. Segundo a federação, Gilson Paulo vai receber US$ 15 mil (cerca de R$ 26 mil) mensais até dezembro. O sonho, porém, é trazer a Guiné Equatorial para a disputa da Copa do Mundo no Brasil, em 2014. Impossível?
- Se estou lá, tenho que sonhar. Senão não tem razão para estar lá. Tenho que pensar positivo. Olha o que aconteceu na Copa Africana.

Por incrível que pareça, eu tinha muita vontade de conhecer e trabalhar na África. É um futebol forte, de disposição, pegada mesmo. Sempre acompanhei o Kanu (Nigéria), Abedi Pelé (Gana), o Roger Mila (Camarões). Quando apareceu a possibilidade, aceitei. O convite surgiu por meio do treinador brasileiro Antônio Dumas, que já treinou três seleções da África, incluindo a Guiné Equatorial, em 2006. Quando o antigo técnico (o francês Henry Michel) saiu, eles pensaram em contratar outro técnico francês ou um espanhol. Mas o presidente (o ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasolo) exigiu um brasileiro. Assim, o ministro do Esporte foi atrás do Antônio Dumas, que não pôde aceitar por motivos pessoais, mas me indicou. Eles entraram em contato e pediram meu currículo. Trabalhar no Vasco ajudou muito nesse aspecto.
Como foi a chegada ao país?
Com dois dias já teríamos um amistoso para inaugurar o estádio construído para a CAN. Estádio novíssimo em Bata. E fomos jogar logo com quem? África do Sul. Falei para eles “Meu Deus, vocês estão de brincadeira” (risos). Na África, a África do Sul é muito forte e nós não somos uma seleção de tradição. O estádio lotou. Dos 40 mil ingressos, mais de 38 mil foram vendidos. Eu nem conhecia meus jogadores. Procurei tomar algumas anotações da África do Sul, vê como eles jogavam. Jogamos no 3-5-2, e o jogo acabou 0 a 0. O pessoal ficou louco, muito feliz mesmo (risos). Foi uma festa. O povo lá é muito apaixonado por futebol. Fiquei impressionado. Depois o pessoal da comissão técnica me explicou o que estava acontecendo. Eles nunca vencem. Só perdem, perdem, e de goleada. O empate com os Bafana Bafana foi um grande resultado (gargalhadas). Alguns dias depois, fizemos um amistoso com o time campeão de Camarões. Empatamos por 1 a 1 .
Como conseguiu armar o time em tão pouco tempo, já que não conhecia nenhum jogador da sua equipe?
Cheguei lá e não conhecia nenhum jogador. Até a CAN, fiz alguns treinos e dois jogos preparativos. Consegui enxergar alguma coisa. Coloquei em campo o que eu achava melhor e, graças a Deus, deu para ir bem. O tempo foi muito curto mesmo, e o pessoal reconheceu isso. A equipe foi se preparando dentro da competição
E a comunicação com os jogadores?
Eles falam francês, espanhol e uma língua nativa. É muito enrolado, não entedia nada. Fui pelo lado que achei mais fácil, o espanhol. Com um mês, já estou dando uma arranhada.
Tinha tradutor?
Só nas entrevistas após os jogos. Vinha um caminhão de perguntas, e o cara me ajudava. Mas os atletas estão me entendendo em espanhol. Eu falo pausadamente, eles também. Levei meu quadro para explicar bem o que queria nas preleções. Fomos nos virando (risos).
GIlson Paulo retornou ao Brasil com contrato renovado após boa campanha (Foto: Agência o Globo)Para os torcedores, se perdesse de pouco, estava bom (risos). É assim que funciona na cabeça deles. Seguramos o 0 a 0 no primeiro tempo. No segundo, veio aquele gol do Balboa, e o estádio veio abaixo. Após o jogo, a cidade teve festa a noite toda. Um verdadeiro carnaval. Só ali consegui entender a verdadeira dimensão de como o povo da Guiné é apaixonado por futebol.
Na sequência, nova vitória sobre Senegal.
O time estava empolgado com a vitória e treinamos duro para enfrentar Senegal. Choveu muito durante o jogo. O campo estava pesado. Ganhamos por 2 a 1. Meu Deus do céu. Novo carnaval no país. O povo ficou a noite toda na rua. Não pudemos ir, pois estávamos concentrados. Mas acompanhei tudo pela televisão.
Depois desse jogo até renovaram seu contrato, antes mesmo do fim da competição, certo?
Depois dessa segunda vitória, os caras ficaram loucos. Renovaram até dezembro (risos).
E como foi a eliminação?
No terceiro jogo (ainda na primeira fase), poderíamos ter empatado com a Zâmbia (que acabou conquistando o título mais tarde) e garantido o primeiro lugar. Mas tínhamos problemas de cartões amarelos e perdemos quatro jogadores. Os que entraram sentiram um pouco. A rapaziada estava um pouco nervosa. Com a derrota, pegamos a Costa do Marfim nas quartas de final. Aí complicou (risos). Mas estávamos até segurando o 0 a 0, mas meu zagueiro perdeu uma bola para o Drogba. Não pode. Perdemos por 3 a 0, mas chegar às quartas de final para o povo de Guiné foi muito mais do que o esperado. Subimos 41 posições no ranking da Fifa. Ainda estamos lá embaixo, mas já melhorou muito.
E como foi enfrentar estrelas do futebol mundial como o Drogba? Teve algum contato com ele?
Não só o Drogba, mas também jogadores mundialmente conhecidos como o Gervinho (Arsenal), Kalu (Chelsea) e o Yaya Touré (Manchester City). Conversei com o Drogba na sala de imprensa após o jogo. Tive a ajuda de um tradutor. Ele disse que já teve um treinador brasileiro no Chelsea, o Felipão. Depois, elogiou meu trabalho, principalmente pelo pouco tempo que tive para treinar antes da competição.
De uma hora para outra você virou celebridade em um país onde nunca havia estado até há um mês atrás. Já se acostumou?
Não esperava por isso. Lá me chamam de "Mister". Procurei dar toda a atenção aos torcedores, porque sei que o futebol é a maior alegria para muitos. Não tinha pretensão nenhuma de ficar famoso. Dei entrevistas para a imprensa do mundo inteiro. A ficha ainda não caiu, mas não me preocupo com isso. Fiquei realmente impressionado nas vezes em que fui na rua. Muitos torcedores pedindo fotos, autógrafos. Muitos me disseram que eu era o homem mais importante do país. Eu brincava: “E o presidente? Tá maluco?” (gargalhadas).
Já pensa em levar a família para morar contigo?
Vou levar a minha esposa. Ela já estava animada para ir antes, mas não daria durante a competição. Eu tinha que conhecer o lugar primeiro. Volto daqui a duas semanas para a Guiné. Vou arrumar as coisas e ela vai. No contrato, tenho direito a casa e carro. Isso ajuda. Meu preparador físico volta também.
Em casa, Gilson guarda quadro com foto da estreia de Guiné na CAN (Foto: Arquivo pessoal)É um país muito pobre mesmo, mas eles estão começando a ganhar dinheiro com o petróleo. Os centros das cidades são bons, com estradas novas, muita iluminação, prédios muito bonitos. Mas quando você vai para os subúrbios, é outra coisa. Tem muito pobreza.
E as condições dos centros de treinamentos e estádios?
O que eu vi é tudo de primeira. Treinávamos e jogávamos em dois estádios novos, construídos para a CAN. Ficaram muito bons. Quem construiu o estádio pensou nas grandes seleções, jogadores, imprensa. A estrutura é realmente muito boa. Não tenho o que reclamar.
Antes da CAN, a Guiné Equatorial sofreu muitas críticas por ter 12 estrangeiros no time.
Cheguei lá e já encontrei deste jeito. Não sei explicar como aconteceu. Vi o que eu tinha em mãos e aproveitei do melhor jeito. Como a federação sofreu algumas críticas por isso, eles lembram muito o caso da França, campeã mundial em 1998, com vários jogadores naturalizados. Mas a maioria dos atletas tem descendência da Guiné. São filhos de pais guinéu-equatorianos.
Tinha brasileiro também.
O Danilo, goleiro. Ele joga lá desde de 2006. É jogador do América-PE, mas defende a seleção há muito tempo. Foi bom chegar e ter um brasileiro, mas também tinha muitos jogadores que vieram da Espanha e outros jogaram em Portugal. O Balboa, que fez o gol na estreia contra a Líbia, já jogou até no Real Madrid. Quando cheguei, tentei falar espanhol, mas ele me disse que eu poderia falar português (risos). Isso tudo facilitou para mim.
E o famoso “bicho “ de US$ 1 milhão pela vitória sobre a Líbia na estreia?
Vitória sobre Líbia rendeu 'bicho' de US$ 1 milhãoà seleção de Guiné Equatorial (Foto: EFE)
E foi só para a estreia?
Esse dinheiro apareceu só para a partida contra a Líbia. Depois, não ouvi mais nada. Pela vitória sobre Senegal e pela classificação, a coisa normalizou.
Quando pediu demissão do cargo de treinador da Guiné Equatorial, o francês Henry Michel disse que não aguentava mais a interferência do governo em seu trabalho. Teve problemas desse tipo?
Ele teve uns problemas antes de sair, mas nem sei direito o que houve. Quando acertei, fiz um documento exigindo que não houvesse interferência. Deixei isso claro por escrito, e até o momento não houve qualquer interferência do governo. A única coisa que me falaram é que os planos deles, para daqui a alguns anos, é ter uma seleção formada apenas por jogadores nascidos na Guiné Equatorial. Quando voltar, vou ter tempo para observar as categorias de base e planejo viajar em março pela Europa, pois temos alguns jogadores nascidos na Guiné que jogam na França, na Alemanha e na Inglaterra. Ainda não tive tempo de observá-los.
Como é sua relação com o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasolo, um dos líderes mais ricos do mundo?
Ele me recebeu em um jantar. Estava ansioso para conhecê-lo, até pela importância dele para o país. Também pelo fato dele ter pedido um treinador brasileiro. Ele é adorado pelo povo. Não sei direito dessa história de ditador. Fiquei muito focado no trabalho de campo. Quando voltar, vou ter tempo para aprender muitas coisas sobre o país.
Mudando de assunto, você passou no Vasco na década de 80 como jogador.
Fui meia-direita na década de 80. Ralei muito em clubes pequenos aqui do Rio, como São Cristóvão, Campo Grande e Bangu. Também passei pela Segunda Divisão de São Paulo. No Vasco, treinei durante um período de quatro meses. Foi em 1986. Não cheguei a jogar. Tinha o "Expressinho" na época, tinha esperança de jogar. Mas o Vasco tinha um timaço naquele ano. Tinha o Roberto, Claudio Adão, o Romário começando. A equipe que foi campeã brasileira em 1989 começou a ser formada ali. Eu também estava com o joelho direito machucado. Fiquei dois meses tratando. Quando melhorei, treinei pouco tempo e acabei não ficando. Tinha 26, 27 anos.
Foi quando encerrou a carreira de jogador?
Joguei mais alguns anos. Assim que encerrei a carreira de jogador, resolvi virar treinador. Fiz vários cursos. No início, na década de 90, treinei muitas escolinhas de garotada em comunidades, promovia muitos eventos esportivos infantis. Foi o meu começo. Em 2006 assumi meu primeiro time profissional. Treinei a equipe do Estácio, na Segunda Divisão do Rio de Janeiro. De lá, quando o Roberto Dinamite assumiu, fui trabalhar no Vasco. Passei por toda a base. Treinei juvenil, infantil, pré-mirim. Alguns atletas que trabalharam conocsco agora estão fazendo sucesso nos profissionais. São os casos do Allan, do Phillipe Coutinho. É muito gratificante ver isso.
Soube, enquanto esteve fora, que morreu um jovem de 14 anos da base do Vasco durante um treino?
Soube disso lá na Guiné, mas não sei direito o que aconteceu. Fiquei triste. É de se lamentar muito. Estava distante, mas mandei um e-mail para o pessoal da comissão técnica da categoria, que ficou muito abalado. Não conhecia o Wendel.
Após a fatalidade, a estrutura das categorias de base do Vasco foi criticada.
A estrutura do Vasco na base é boa. Os garotos que moram lá têm alojamento, escola e alimentação. Mesmo quem está em experiência recebe alimentação. Isso eu sei. É tudo normal.
E como está sua situação com o Vasco?
Estou me desligando do clube. Estava de férias quando me convidaram. Como o contrato era só para a CAN, pedi para o clube me liberar por esse curto período. Mas como a coisa fluiu muito, o melhor é sair do clube. Não seria ético continuar vinculado ao Vasco. Pretendo nos próximos dias ir a São Januário conversar com o pessoal. Já avisei por telefone.
Seria sonhar demais classificar a Guiné Equatorial para a Copa de 2014, no Brasil?
Se estou lá, tenho que sonhar. Senão não tem razão para estar lá. Tenho que pensar positivo. Olha o que aconteceu na Copa Africana. Todos pensavam que a Guiné Equatorial entraria em campo para perder de pouco. Deixei-os pensarem assim e fui para frente. Deu no que deu. Em relação às Eliminatórias da Copa, estou com o mesmo pensamento. Estamos num grupo com Tunísia, Cabo Verde e Serra Leoa. Sai um para jogar o mata-mata. Estreamos no dia 1º de junho contra a Tunísia, o principal adversário da chave. Temos que sonhar
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